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17/09/2019

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Psicologia

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Carlinhos Maia Instagram mês da campanha do Setembro Amarelo Ministério da Saúde profissional de psicologia Setembro Amarelo suicidio

O papel dos influenciadores digitais em debates de relevância social: Um olhar sobre o suicídio

Há alguns dias a internet foi palco de um debate polêmico acerca da atitude de Carlinhos Maia, comediante, influenciador digital famoso no Instagram, contando com alguns milhões de seguidores em sua conta. Em 2018, ele foi o segundo perfil mais visto no mundo na ferramenta, e no Brasil liderou a lista, segundo levantamento feito pelo próprio Instagram. O humorista de origem humilde diverte seus seguidores postando conteúdos cômicos.

A recente discussão se deu a partir de uma declaração polêmica de Maia, que em um vídeo – o qual ele entende como motivacional – fala sobre como é importante que as pessoas foquem nas próprias vidas e não se comparem aos outros. Em dado momento, ele profere:

“[…] Você achava mesmo que ia ser fácil? Você acha mesmo que na primeira vez que… eu tenho meninos aqui com 16 anos me mandando ‘eu quero me matar’. Vai, ô imbecil! Vai se matar, porque você nem começou a vida ainda. Venha perguntar a uma mulher de 75 anos, entendeu? Que até hoje trabalha, que até hoje sustenta os netos, que até hoje está varrendo o quintal, que até hoje tá catando latinha na rua pra sustentar os bisnetos. Venha perguntar se ela se matou com 16 anos. Eu não sei os seus motivos, mas sei os dela.” 

O conteúdo foi postado no perfil de Maia no início de setembro, curiosamente o mês da campanha do Setembro Amarelo, alusivo à prevenção do suicídio. Iniciada no Brasil em 2015, a campanha objetiva promover eventos que abram espaço para debates sobre suicídio e divulgar o tema, sempre alertando a população acerca da importância de sua discussão, visto se tratar de um tema ainda muito envolto em mitos, preconceitos e receios.

O suicídio é um fenômeno que sempre existiu. Variando entre diferentes culturas e de um tempo para outro, é complexo e multifacetado. Já teve status de purificação, direito pessoal, pecado… Todos esses sentidos ainda coexistem, em especial se considerarmos a diversidade cultural. Contudo, num mundo pós-moderno e globalizado, no qual se estuda com maior eficácia o que leva alguém a tirar a própria vida, o status do suicídio é de sofrimento mental e desesperança. Hoje os índices são alarmantes, constituindo-se em um problema de saúde pública.

Conforme o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre o tema, de 2017, cerca de 800 mil pessoas morrem anualmente no mundo por suicídio e, a cada adulto que provoca a morte, ao menos outros 20 atentam contra a própria vida. Ainda de acordo com o documento, o suicídio representa 1,4% de todas as mortes em todo o mundo, sendo a 15ª causa de mortalidade na população geral e a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. No Brasil o quadro não é diferente: foram registrados, de 2011 a 2015, 55.649 óbitos por suicídio, com uma taxa geral de 5,5/100 mil habitantes, isso sem contar os óbitos registrados incorretamente, impossibilitando a contagem fiel dos casos. 

Longe de querer julgar a atitude de Carlinhos Maia em particular, o objetivo aqui é refletir a respeito do possível poder que pessoas como ele exercem sobre aqueles que seguem as mídias e se deixam influenciar por seus conteúdos. Sabe-se que as redes sociais são acessadas por grande parte das pessoas no país e no mundo. As barreiras físicas foram transpostas e hoje conseguimos ter acesso a conteúdos dos mais variados tipos, provindos dos mais diversos lugares em curtíssimo espaço de tempo, muitas vezes simultaneamente. Esse fenômeno tem seus benefícios, pois a internet faz circular muita informação de boa qualidade; há, contudo, o lado nocivo disso: a propagação de informação com caráter de desserviço à sociedade, e aqui se enquadra o vídeo do referido influenciador.

Após a extensa e negativa repercussão do conteúdo, Maia gravou outro vídeo esclarecendo suas declarações e defendendo que sua fala tinha intuito motivador, pois baseado na própria experiência ele entende que as pessoas não podem se lamentar pelo que não alcançaram nem se comparar aos outros, caso contrário não terão êxito. Sua intenção parece boa, mas o modo como a coloca em prática não é.

Sua fala, de tom agressivo, supõe indiferença com uma situação que é grave e alarmante: o sofrimento mental. Talvez sem se dar conta, ele se equivoca e parte do pressuposto de que todas as pessoas têm as mesmas condições emocionais e psíquicas para enfrentar desafios. Para ele, é inconcebível um jovem queixar-se da vida se uma idosa não o faz. Não compreende, ou ao menos não compreendeu naquele momento, que sofrimento mental não tem idade, sexo, cor de pele, classe econômica e/ou social. Também não percebeu que tocou num tema delicado de maneira perigosa.

O pano de fundo para a atitude de Carlinhos Maia parece ser os estigmas e os mitos acerca do suicídio, provindos do desconhecimento das pessoas em relação ao tema. Ainda são muito presentes na sociedade duas posturas: ou há medo de se falar no assunto, ou há descrença na sua gravidade, chegando nesse caso a existir deboche. O influenciador acabou adotando a segunda postura em sua declaração, e a causa é falta de informação, desconhecimento de que o suicídio é a consequência extrema de um sofrimento mental intenso, o qual pode advir de diferentes razões para cada pessoa. Problemas que para um representam algo simples de se lidar podem, para outros, caracterizar um fardo demasiadamente pesado, devido aos recursos psíquicos que cada sujeito tem para lidar com as diversas situações que a vida impõe. 

O nome da profissão de Maia é sugestivo do poder que ele tem: é um “influenciador”. Com os conteúdos que produz, atinge milhões de pessoas, cada uma com sua subjetividade, suas vulnerabilidades, suas histórias de vida e seus sofrimentos. Cada seguidor atingido por suas publicações recebe a mensagem de modo singular, adaptando-a ao seu mundo interno. Algumas discordarão, outras refletirão a respeito e, o mais perigoso, algumas a compreenderão literalmente, aceitando-a como verdade, algo irrefutável diante da fragilidade do próprio senso crítico e da credibilidade que colocam no profissional.

Em meio a esse público, há de ser ter um cuidado especial com os adolescentes, que vivenciam uma etapa muito delicada do desenvolvimento, passando por transformações intensas, numa busca pela construção da identidade, principal objetivo dessa fase. Nesse ponto da vida, o ser humano volta-se para o social, para os grupos, havendo um natural desinteresse pela família – ao menos em relação ao interesse característico da infância. Com as mídias, os jovens acabam tendo escassa convivência física com outras pessoas, inclusive seus pares, voltando-se muito para os conteúdos digitais e seus produtores.

Os influenciadores acabam, portanto, tendo papel de extrema relevância na formação de opinião desses jovens, sobretudo daqueles mais vulneráveis. Logo se torna fácil perceber que assuntos sérios e densos como o suicídio devem ser tratados com seriedade pelos influenciadores digitais e pela sociedade em geral. A melhor solução é livrar o tema dos tabus que existem a seu respeito, conversando sobre ele de maneira franca, porém cuidadosa e responsável. 

Referências

ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artmed, 2003.

BOTEGA, Neury José. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. v. 48, n. 30, 2017. Disponível em: <https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf>. Acesso em: 08 set. 2019.

FOLHA DE S. PAULO. Alagoano Carlinhos Maia é o brasileiro mais visto no Insta Stories; Neymar e Anitta estão no ranking. 02 ago. 2018. Disponível em: <https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2018/08/alagoano-carlinhos-maia-e-o-brasileiro-mais-visto-no-insta-stories-neymar-e-anitta-estao-no-ranking.shtml>. Acesso em: 08 set. 2019.

SOBRE O AUTOR

Gisele Moitoso

Psicóloga | CRP 07/30544

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